
CORES
Era um mundo feito de sombras, onde as formas se misturavam e os contornos se desfaziam, como se a própria luz tivesse sido diluída, como uma tela borrada. Não havia espaço para cores vivas, apenas uma fraqueza que se arrastava pelo dia, onde o tempo era um espectador indiferente de tudo o que acontecia. Cada momento parecia se perder antes de se concretizar, e as ruas, as casas, as árvores – todos pareciam parte de um quadro inacabado, algo que nunca seria terminado.
De repente, algo mudou, um toque suave, quase imperceptível, de algo que não se podia nomear. Foi como se o mundo, tão sombrio e quieto, tivesse hesitado por um instante, como se algo estivesse finalmente prestes a acontecer.
Primeiro, surgiu o verde. Não um verde comum, mas uma luz que parecia vibrar, uma energia pulsante que percorreu as folhas das árvores. As sombras ao redor, antes tão dominantes, começaram a ceder lugar a esse tom inesperado. Não era o verde das plantas, nem o verde do campo. Era um verde novo, fresco, algo que não se via há muito tempo. Ele surgiu suavemente, como um sussurro, tocando cada ramo, cada pedaço de grama, como se estivesse acordando a terra de um sono profundo.
Então, o azul apareceu. Não foi uma explosão, mas uma presença sutil, que aos poucos se espalhou pelo horizonte. O céu, antes cinzento, começou a se intensificar, suas camadas de azul se desdobrando de forma delicada. Cada nuance parecia se expandir, como se a própria imensidão do espaço estivesse se revelando. O azul não se limitava ao céu, mas estava em cada superfície, nas fachadas das casas, nas janelas, nas pequenas frestas de luz, nas poças de água na rua. Era profundo e vasto, como um oceano que se estendia por todo o mundo.
E, logo após o azul, o vermelho se fez presente. De maneira quase inesperada, o vermelho surgiu com um brilho quente, chamando atenção, mas sem ser invasivo. Ele se espalhou pelas flores, pelos pequenos detalhes que antes passavam despercebidos. Era um vermelho intenso, um sinal de vida que antes parecia ausente. Não era a cor do fogo, nem a do sangue. Era a cor da paixão, da ação, da urgência que, até então, ninguém sabia que estava ali, aguardando para ser vista.
À medida que o tempo passava, mais cores apareciam. O amarelo surgiu, tímido, como uma luz suave que tocava os cantos das paredes e os rostos das pessoas. Era uma cor alegre, mas não exuberante, como um sorriso que se desenha lentamente. Ela parecia iluminar tudo ao seu redor, revelando detalhes que antes passavam despercebidos, tornando o mundo mais caloroso e acolhedor, aquecendo o ambiente, trazendo uma paz que parecia antiga, como se a própria essência da vida tivesse se mostrado em sua forma mais pura.
As cores tomavam conta, o mundo se transformava. Não era uma mudança repentina, mas gradual, como se a própria natureza estivesse revelando aos poucos aquilo que sempre esteve ali, aguardando para ser descoberto. O mundo, antes de sombras, sem vida e sem cor, agora parecia vibrar com uma energia nova, como se cada cor fosse uma batida do coração de algo maior, algo que havia esperado pacientemente pelo momento certo.
E então, a compreensão veio, sutil, quase sem ser notada: as cores não eram meramente elementos do mundo. Elas eram uma forma de expressão, uma linguagem que trazia consigo algo profundo. Elas não estavam apenas preenchendo o espaço; estavam comunicando algo. Como se, no momento em que as cores começaram a aparecer, o mundo tivesse finalmente encontrado o que faltava. O cinza desapareceu e o mundo, antes incompleto, agora estava vivo, a cor encontrou o mundo – e, ao encontrá-la, revelou o que ele sempre foi, escondido nas sombras, esperando o momento certo para ser visto.
Para o mundo que conhecia apenas a monotonia do cinza, não soube como lidar com a explosão de tons e luzes que agora moldavam a realidade. As cores eram imprevisíveis, intensas demais para olhos acostumados à penumbra. A realidade se encolheu, tentando se esconder da transformação que avançava sem hesitação, o mundo fechava os olhos mesmo sem entender o motivo da falta de aceitação de algo que parecia tão incrível.
O mundo tentou então apagar as cores, cobri-las com sombras, restaurar a familiaridade do vazio. O cinza, que antes dominava, tentou retomar seu espaço, espalhando-se como névoa, sufocando as cores recém-chegadas. Ele avançou como uma maré fria, tentando engolir o brilho, se infiltrando nas folhas que haviam se tingido de verde, nas fachadas que haviam abraçado o azul, nas flores que haviam encontrado o vermelho. O verde se aprofundava no solo, enraizando-se mais fundo, o azul corria pelo céu, escapando do alcance do vazio, o vermelho ardia como fogo, e o amarelo brilhava nos cantos esquecidos, onde a sombra não conseguia mais alcançar.
A batalha era silenciosa. O mundo hesitava entre o conforto do que sempre conheceu e a inquietação do novo. A escuridão sussurrava que a cor era passageira, uma ilusão frágil que se dissolveria com o tempo, enquanto uma névoa permeiam ofuscando as cores ali presentes, lutando quietamente contra sua vibração. Mas, a cada dia, uma folha se mantinha verde, uma flor se recusava a desbotar, um traço de azul se destaca no céu.
Por mais que parecia estar voltando ao normal, algo havia mudado. O mundo havia conhecido a cor, a luz, e todas suas sensações, e, por mais que tentasse voltar ao que era, não podia negar o que havia visto. Então, o próprio cinza começou a se transformar, e tornou-se incapaz de governar sozinho, sua força já não era absoluta, agora, havia rachaduras em sua escuridão. Pequenos fragmentos de cor resistiam, e recusavam-se a serem apagados. Assim, o vazio, ao invés de se dissolver completamente, encontrou um novo papel, o que era sombrio, tornou-se contraste, moldura, profundidade, ele não desapareceu, mas aceitou sua convivência com a cor.
Com o tempo, fez-se visível, o verde, com sua intensidade, não era uma ameaça, mas uma promessa de renovação; o azul, com sua imensidão, trouxe consigo uma nova perspectiva sobre liberdade, e o vermelho, com sua força vital, passou a ser visto como a essência da própria paixão, necessária para o florescer de tudo que existe. As cores, fortes e afrontosas, foram aceitas com suas perfeições imperfeitas. Entendeu-se que não estavam ali para substituir ou dominar, o mundo se tornava, finalmente, completo, não em sua perfeição rígida, mas em sua evolução contínua, feita de luz, sombra e cor.
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