
Sobre o Storytelling
Branding e Gestão de Marca
Apesar de complexo, o processo de criação, gestão e manutenção de uma marca tem se mostrado cada vez mais relevante, sendo o foco de grandes marcas pelo mundo, gerando ações que não apenas criam identificação, mas estabelecem significados e consequentemente associações emocionais e racionais dos consumidores onde se “agrega dimensões que, de alguma forma, o diferenciam de outros produtos desenvolvidos para satisfazer a mesma necessidade” (Kotler; Keller, 2006 pg 258). A partir de estratégias de branding e posicionamento, as marcas não apenas competem em termos funcionais, mas também se diferenciam em atributos simbólicos e emocionais, uma prática, atualmente, predominante para o desenvolvimento de uma empresa no mercado (Kotler; Keller, 2006).
As ações de branding, portanto, envolvem desde a definição de valores e propósitos da marca até a escolha de elementos visuais, como cores e símbolos, nos quais em conjunto, constroem a identidade da marca (Aaker, 1995). A identidade visual, por exemplo, ajuda a estabelecer conexões imediatas com o consumidor, enquanto os valores da marca comunicam seu posicionamento e objetivos no mercado. A questão de como “colocar a marca no produto” é para Kotler e Keller, focado em criar na mente do consumidor, de maneira eficaz, o diferenciamento da marca, onde eles devem acreditar na existência de vantagens reais entre as diferentes marcas de um único produto.
As diferenças entre as marcas muitas vezes estão relacionadas aos atributos ou às vantagens do produto em si. Gillette, Merck e 3M foram líderes em suas categorias de produto durante décadas devido, em parte, à contínua inovação. Outras marcas criam vantagem competitiva por meio de fatores não relacionados ao produto. Gucci, Chanel e Louis Vuitton se tornaram líderes em suas categorias ao compreender as motivações e os desejos do consumidor e criar imagens relevantes e cativantes para seu produto. (Kotler; Keller, 2006, p. 259)
Nesse contexto, David A. Aaker examina diversas estratégias utilizadas no processo de arquitetura de marca, definida como a estrutura que organiza e orienta o relacionamento entre diferentes marcas e subprodutos de uma empresa, incluindo marcas independentes, caracterizadas pela atribuição de uma identidade própria a cada produto; marcas guarda-chuva, em que uma única marca é utilizada para dominar diversos produtos; e endossos de marca, que consistem no uso da credibilidade de uma marca para fortalecer outra associada. A definição da arquitetura de marca deve ser fundamentada em uma análise de fatores estratégicos, como as características do mercado-alvo, o potencial para extensões de marca e a necessidade de preservar a coerência nos valores e nas mensagens transmitidas ao público (Aaker, 1995).
Logo, ao construir marcas que não apenas se destacam no mercado, mas também mantém sua relevância e longevidade, em um ambiente saturado, no qual consumidores têm mais opções e informações do que nunca, a gestão estratégica possibilita às marcas se diferenciarem, construindo relacionamentos duradouros com seus consumidores.
Arquétipos de Marca
Marcas com arquétipos bem definidos conseguem criar propósitos claros e gerar maior identificação emocional com o público (Mark; Pearson, 2001). Na prática, os arquétipos ajudam a personificar as marcas, tornando-as mais humanizadas e memoráveis.
Os arquétipos de marca são estruturas baseadas na psicologia analítica de Carl Jung (2007), que identificou padrões universais no inconsciente coletivo humano. Essas tipologias, originalmente utilizadas para compreender o comportamento humano, foram adaptadas ao branding e ao marketing, onde marcas alinhadas a um arquétipo criam conexões mais profundas e genuínas com seu público alvo de consumidores.
Jung introduz o conceito de arquétipos como imagens e comportamentos universais que influenciam o inconsciente coletivo, nos quais moldam a experiência humana e refletem nossas motivações mais profundas, como valores, crenças e traços de personalidade.
Os doze arquétipos universais servem como base para diversas estratégias para a construção de posicionamento e história das marcas, eles são: O Inocente representa pureza e simplicidade; o Sábio inspira aprendizado e reflexão; o Heroi motiva superação e esforço; o Fora da Lei quebra barreiras e promove a inovação; o Explorador busca liberdade e aventura; o Mago transforma a realidade com inovação e criatividade; A Pessoa Comum representa autenticidade e pertencimento; o Amante valoriza exclusividade e personalização; o Bobo promove alegria e descontração; o Cuidado foca na atenção e na proteção; o Criador exalta inovação e engenhosidade; e o Governante inspira autoridade e status.
Quando uma marca é arquetípica, ela não só comunica quem é, mas também cria uma narrativa, uma história de identidade em que o público se identifica (Mark; Pearson, 2001). Ao personificar seus valores por meio desses arquétipos, as marcas conseguem gerar não apenas engajamento imediato, mas também construir um relacionamento. Consumidores deixam de ser apenas clientes e passam a ser participantes ativos em suas propostas, ampliando o alcance da mensagem de maneira orgânica.
Logo, no contexto contemporâneo, uma narrativa autêntica e cativante está se tornando cada vez mais um diferencial no momento da compra. Consumidores buscam marcas que representam valores reais e que se conectem a suas aspirações, refletindo a crescente valorização da personalização e do vínculo emocional na relação com as marcas (Kotler; Keller, 2006; Aaker, 1995).
Storytelling
Estruturar uma história de forma eficaz requer capturar a atenção do público, provocar emoções e transmitir mensagens que se identifiquem com a realidade da experiência humana. Nesse sentido, as narrativas seguem padrões que não apenas servem como ferramentas criativas, mas também refletem arquétipos universais encontrados em mitos, lendas e histórias contemporâneas. Esses padrões narrativos representam ciclos de transformação que conectam o público ao protagonista. Assim, histórias bem elaboradas, além de gerar entretenimento, criam uma ponte emocional entre o narrador e o público.
A Jornada do Herói, desenvolvida por Joseph Campbell (1949), introduz uma estrutura narrativa universal observada em mitos, lendas e histórias de diferentes culturas ao longo dos anos. Baseada na análise de narrativas tradicionais, a teoria de Campbell identifica um ciclo arquetípico dividido em 12 etapas principais, que retratam a jornada de transformação do protagonista. Essas etapas, que vão desde o chamado à aventura até o retorno com o “elixir”, não apenas estruturam histórias, mas também refletem aspectos da experiência humana, como superação de desafios, crescimento pessoal e retorno ao equilíbrio.
As 12 etapas identificadas por Campbell são: Mundo Comum – A introdução do protagonista em seu ambiente cotidiano; chamado à aventura – Um evento ou circunstância que desafia o protagonista a sair de sua zona de conforto; recusa do chamado – O momento de hesitação ou medo diante da mudança iminente; encontro com o mentor – O surgimento de uma figura que oferece orientação ou recursos para enfrentar a jornada; travessia do Primeiro Limiar – A transição do mundo comum para o mundo desconhecido; Provações, Aliados e Inimigos – Os desafios iniciais que ajudam a moldar o protagonista, além de aliados e oponentes que surgem ao longo do caminho; Aproximação da Caverna Oculta – A preparação para o desafio central da jornada; Provação Suprema – O momento mais crítico e transformador, em que o protagonista enfrenta seu maior teste; Recompensa (Elixir) – O reconhecimento, ganho ou aprendizado que o herói obtém após superar a provação; Caminho de Volta – A jornada de retorno ao mundo comum, muitas vezes acompanhada de novos desafios; Ressurreição – A última transformação do protagonista, marcando sua evolução completa; Retorno com o Elixir – O herói retorna ao mundo comum, trazendo algo de valor para sua comunidade.
Baseando-se nos arquétipos propostos por Carl Jung, Campbell aponta que essas etapas narrativas representam padrões inconscientes que habitam a psique humana. Esses padrões não apenas conferem universalidade às histórias, mas também funcionam como uma espécie de mapa simbólico para os desafios e transformações que os indivíduos enfrentam ao longo de suas vidas. De tal maneira em que o herói não é apenas uma figura mítica ou literária, mas um arquétipo que simboliza a busca humana por significado evolução.
A Jornada do Herói serve como metáfora para os processos psicológicos e sociais de transformação. No nível individual (micro), ela reflete os estágios de desenvolvimento interno que uma pessoa atravessa ao enfrentar desafios, superar medos e emergir como uma versão mais consciente de si mesma. No nível coletivo (macro), a jornada do herói espelha o papel das narrativas em unir comunidades ao redor de valores comuns e lições compartilhadas.
Ao contar histórias, seja em livros, filmes, campanhas publicitárias ou discursos, os elementos estruturais como personagens, conflitos e resoluções são usados para guiar o público por um arco narrativo que não apenas informa, mas também inspira. É por meio dessa jornada que as histórias se tornam ferramentas poderosas para ensinar valores, influenciar comportamentos e criar vínculos duradouros.
A Jornada do Herói foi adaptada e reinterpretada para atender às demandas de diferentes mídias e formas de narrativa. Christopher Vogler (2007) por sua vez, aplica o modelo de Campbell ao contexto do cinema e da literatura, destacando sua relevância para roteiristas e autores. Vogler de certa forma simplifica as etapas da jornada, tornando-as mais acessíveis e práticas para a construção de narrativas lineares e envolventes.
Enquanto Campbell se concentra na análise mitológica e psicológica, Vogler preocupava-se em como essas ideias poderiam ser efetivamente aplicadas no storytelling. Sua abordagem destaca que a Jornada do Herói não se limita ao protagonista, mas permeia todo o universo narrativo, incluindo personagens secundários e a construção do arco narrativo. Ele também reconhece a importância de adaptar a estrutura às demandas culturais e sociais contemporâneas, enfatizando que os elementos devem ser ajustados às expectativas do público moderno.
Donald Miller (2014) expandiu a teoria para narrativas interativas, como as presentes em videogames, experiências digitais e outras formas de mídia imersiva. Miller aponta que o modelo de Campbell é particularmente adequado para narrativas em que o público desempenha um papel ativo, pois as etapas da jornada podem ser adaptadas para criar experiências interativas que engajem emocionalmente os usuários. Nesse contexto, o jogador ou participante se torna o próprio herói da jornada, navegando pelas provações e recompensas do ciclo narrativo.
Referências
SILVEIRA, L.; CORREA, M. MONOTOSHI: UM ESTUDO SOBRE PERSONAL BRANDING. Puçá: Revista de Comunicação e Cultura na Amazônia, [S. l.], v. 8, n. 1, p. 89–114, 2022. Disponível em: https://estacio.periodicoscientificos.com.br/index.php/puca/article/view/2837. Acesso em: 18 dez. 2024.
KOTLER, P.; KEVIN LANE KELLER. Administração de marketing a bíblia do marketing. [s.l.] São Paulo Pearson Prentice Hall, 2006.
MARK, M.; PEARSON, C. The hero and the outlaw : building extraordinary brands through the power of archetypes. New York: Mcgraw-Hill, 2001.
CAMPBEL, Joseph. O herói de mil faces. Tradução de Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Editora Pensamento, 2007.
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Tradução de Maria Luiza Appy e Dora Mariana R. Ferreira da Silva. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2008.
VOGLER, C. The writer’s journey: Mythic structure for writers. Studio City, Ca: Michael Wiese Productions, 2007.
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